Voto em lista: Perigosa insanidade

Assino embaixo desse artigo de Cláudio Lembo:

Segunda, 11 de maio de 2009 - Perigosa insanidade

Lembo: proposta de voto em lista é uma "anormalidade inconcebível" para o sistema eleitoral brasileiro

As sociedades aprendem com sua própria história. Rever acontecimentos e captar as conseqüências de episódios é tarefa obrigatória de todos os povos. Tolice perder as lições do passado. Trata-se de perdularismo inaceitável.

Os parlamentares - senadores e deputados federais - demonstram, quando falam em reforma política, tendência perdulária. Dilapidam a rica tradição eleitoral dos brasileiros. Não dão importância ao passado.

Desde 1532, quando da instalação do primeiro município, vota-se no Brasil. Sem solução de continuidade. Exceção: somente o período Estado Novo, quando todas as formas de consulta mereceram supressão.

Esta rica experiência eleitoral, hoje esquecida, aponta para as várias formas de recolhimento da vontade popular, por meio do voto pessoal, expressão da vontade individual da cidadania.

No primeiro reinado, as eleições primárias estiveram presentes em nosso panorama político. O colégio eleitoral tinha amplidão. Votavam inclusive os analfabetos.

Este diversificado colégio elegia os delegados e estes os representantes junto aos parlamentos. Uma eleição em dois turnos. Permitia, pelos parâmetros da época, a busca de ampla legitimidade popular.

Tanto espaço popular preocupou os políticos da época. Adotou-se, com todas as fraudes imagináveis, o voto direto. Para que o controle sobre a vontade popular fosse pleno, implantou-se o voto de lista fechada.

Correram os anos. Em razão do famigerado voto de lista fechado, desapareceu a oposição parlamentar. O eleitor sufragava um partido e, com seu voto, conduzia os componentes da lista partidária ao parlamento.

Dois rebanhos eleitorais: um composto pelo eleitorado obrigado a votar, sem qualquer espaço de liberdade, em candidatos impostos, ordenadamente, por uma legenda partidária.

O outro rebanho formado pelos candidatos. No primeiro lugar da lista, a vaca madrinha - o dono do partido - seguida pelos seus apaniguados. Todos escolhido pela cúpula partidária.

Um sistema fechado onde o arejamento é impossível. Tal foi a extensão do desastre que, no segundo reinado, as listas não eram completadas. Deixavam-se vagas - três - para serem disputadas pela oposição.

Só em 1930, quando a República Velha ruía, o sistema foi abandonado, graças à clarividência de Assis Brasil. Após uma intensa luta política e um qualificado debate intelectual implantou-se o voto proporcional.

Este, como é conhecido de todos os eleitores, permite à cidadania a escolha de um partido, mediante o voto na legenda, ou de um partido e de um candidato específico, quando se vota em determinado postulante a deputação.

Nesta última hipótese, há opção por um partido e, no interior da lista oferecida por este, de um candidato escolhido pelo próprio eleitor. Um mínimo de liberdade no exercício do dever de votar.

O sistema conta com grande longevidade. Foi testado em momentos difíceis da História pátria. Nasceu de revolução que mudou maneiras de fazer política. Buscou a higienização de práticas eleitorais corrompidas.

Agora, parlamentares carentes de referências doutrinárias procuram importar o voto de lista, aplicados nos dois países da Península Ibérica: Espanha e Portugal.

Na Espanha, o modelo esgotou-se. Existe um grande movimento na busca da extinção do voto de lista, aquele que perpetua sempre os mesmos representantes nas cadeiras parlamentares.

Apesar do passado nacional sobre o voto de lista - que não o recomenda - e a procura de novos modelos pelas sociedades que o adotam, em Brasília, alguns desinformados desejam sua implantação.

Querem na verdade se afastar das lutas populares e preservar seus cargos graças ao domínio das máquinas partidárias, onde representam as oligarquias dominantes.

A sociedade por meios de suas representações espontâneas deve se colocar contra esta deturpação do sistema eleitoral brasileiro, testado e comprovado de boa qualidade em sucessivos pleitos.

Lamenta-se que a avidez de alguns traga ao debate tema superado, de há muito, na própria trajetória política pátria. O Brasil Império e a República Velha fragilizaram-se pelo voto de lista.

É fundada tolice tomar veneno já conhecido. Uma anormalidade inconcebível, mas presente no Parlamento nacional. Cabe a todos alerta para a insanidade.

Autor:
Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador.

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